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Entenda a crise do Sistema Cantareira

São Paulo é um Estado com pouca disponibilidade hídrica. Mesmo servido por 26 complexos de reservatórios interligados, possui apenas 1,6% da água doce disponível no país. Na região metropolitana de São Paulo, com 8 desses mananciais, está situado o Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de 9,8 milhões de habitantes.

O atual baixo nível do Sistema Cantareira é semelhante ao de 2004, quando atingiu pouco mais da metade da altura normal. Nos últimos dez anos, a situação de abastecimento na capital de São Paulo foi marcada por uma estiagem prolongada, a qual forçou a adoção de racionamento e a busca por outros locais de captação de água. Em 2009, um relatório da Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo alertou sobre uma possível redução da disponibilidade hídrica da bacia do Alto Tietê, também fornecedora de água para a capital, e sugeriu medidas preventivas à Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).

As chuvas previstas para o início do ano, que abasteceriam as represas, não ocorreram. O verão foi o mais seco dos últimos oitenta e quatro anos. No dia primeiro de junho, as reservas de água da Cantareira chegaram aos preocupantes 24,8%. O conforto de ter água corrente e farta na torneira tem sido prejudicado diante dessa crise no abastecimento.

Desde 1994, a Sabesp é uma empresa de capital misto. Atualmente, 50,3% de suas ações estão nas mãos do Estado. Os outros 47,7% dividem-se entre investidores nacionais e estrangeiros. Quando a Sabesp anuncia lucros líquidos superiores a R$ 1 bilhão, segundo o estatuto da empresa, 25% desse total vão parar nas mãos dos acionistas. Desde 2009, os lucros líquidos da Sabesp superaram a casa do R$ 1,5 bilhão de reais. Em 2013, a empresa anunciou um lucro líquido de R$ 1,92 bilhão.

Apesar de ter investido mais de R$ 17 bilhões em saneamento básico nos últimos 10 anos, esse total não foi suficiente para evitar a atual crise ou diminuir o desperdício de água da rede pública, que atualmente supera os 30%.

O baixo nível é semelhante ao de 2004, quando atingiu pouco mais da metade da altura normal

Solução proposta

Para combater a baixa oferta de água na cidade, o governo decidiu recorrer, em caráter emergencial e inédito, ao chamado “volume morto” — reserva estratégica de 400 milhões de metros cúbicos que fica situada abaixo dos níveis das comportas. No dia 15 de maio de 2014, foi autorizado o bombeamento de 182 milhões de metros cúbicos, que seriam retirados do volume morto das represas de Nazaré Paulista e Bragança Paulista, para atender a demanda até outubro deste ano, quando se espera que as chuvas reponham as reservas.

Especialistas contrários à utilização desse recurso afirmam existir poluentes não eliminados em processos normais de tratamento de água nas margens da parte remanescente dos reservatórios. Caso não chova o minimamente até outubro, a falta de água nos reservatórios eliminará a proteção dos leitos das represas, causará o rebaixamento do lençol freático do entorno e alterará o ecossistema da região.

A utilização de água do volume morto não é uma novidade no sistema Cantareira, pois as barragens de Jaguari, Jacareí, Cachoeira e Atibainha têm estruturas para captação de águas no leito mais profundo. Essa estratégia é normalmente utilizada para manter constante o fluxo de água para cidades do interior, quando os níveis estão abaixo das comportas.

Para confirmar a potabilidade e rebater as críticas, amostras de água bruta do volume morto das represas foram analisadas e aprovadas pela CETESB (Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo). A deposição de material descartado nas margens é decorrente da exposição das bordas das represas nos últimos dez anos, período em que o volume não atingiu 60% da sua capacidade.

A possibilidade de ocorrer um impacto ambiental sugerida por alguns técnicos do setor, caso as represas sejam completamente drenadas, com exposição do leito e rebaixamento do lençol freático, só será real se não chover o suficiente entre agosto e setembro.

Outras possibilidades

Para atenuar a escassez de água em São Paulo, algumas sugestões foram apresentadas. Uma delas avaliou a possibilidade de desviar águas do rio Paraíba do Sul, na divisa com o Rio de Janeiro, opção ainda não totalmente aceita pelo Estado vizinho.

Outro projeto de longo prazo seria captar água dos rios Tietê e Pinheiros. Contudo, as obras de despoluição desses rios ainda não saíram do papel, apesar dos vultosos investimentos já feitos em ambos. Também foi sugerido recorrer ao Aquífero Guarani, grande reserva subterrânea de água doce que abrange oito estados brasileiros e quatro países sul-americanos. Como a região metropolitana não está na área do aquífero, a água teria de ser captada, transferida e incorporada ao volume dos sistemas mais próximos. Apesar de já existirem estudos para viabilizar o projeto, a execução não ocorrerá em curto prazo.

Infelizmente, a cada nova crise de abastecimento, a primeira solução considerada pelos governos é construir novas obras e buscar fontes de água cada vez mais distantes, em detrimento do cuidado com as fontes e o tratamento da água utilizada.

Nova mentalidade

É necessário mudar o enfoque. A crise atual não é apenas de oferta de água, mas de demanda. Os gestores dos recursos hídricos devem investir na preservação dos rios, matas ciliares, represas e mananciais, além de educar a população sobre o uso consciente da água.

Existe uma cultura de desperdício em que prevalece a ideia de que a água é farta e interminável. Em São Paulo, 25,7% da água distribuída na rede pública é perdida. Desse total, 60% vazam por tubulações com mais trinta anos de uso e 40% é resultante de ligações clandestinas conhecidas como “gatos” e violação dos hidrômetros. Esse volume é bem maior que o índice de 10% admitido internacionalmente.

A ONU estipula que 110 litros diários de água são suficientes para consumo, alimentação e higiene individual. Em São Paulo, o número atinge 140 litros per capita. Em certas regiões do Brasil esse gasto chega a 200 litros por dia. É comum observar pessoas que lavam carros na rua ou utilizam mangueiras para lavar as calçadas. Em 2012, a região sul da Inglaterra passou por uma situação excepcional de falta de chuvas. Uma das decisões do governo para reduzir o consumo foi proibir o uso de mangueiras de jardim nas cidades mais atingidas.

Águas servidas

Cerca de 40% da água de abastecimento da cidade de São Paulo é destinado ao uso residencial, ou seja, consumo, higiene e recreação. Os maiores responsáveis pelo consumo em uma casa são a lavagem de roupas, banho e descarga dos vasos sanitários.

Tomar banho é uma das atividades domésticas que mais consome água

Felizmente, existem algumas soluções para racionalizar o uso de água. Na lavagem de roupas, as denominadas “bolas ecológicas” utilizam microesferas de cerâmica para diminuir o consumo de produtos água e produtos químicos. O aquecimento da água do chuveiro pode ser feito por meio de aquecedores solares. A descarga de vasos sanitários é o ponto mais preocupante, pois a do tipo válvula de parede pode consumir até 15 litros de uma só vez. Desde 2004, a norma NBR 15.097/04 fixou em 6 litros a quantidade máxima de água para descarga para todos os modelos.

A obrigatoriedade do uso de hidrômetros individuais a partir de 2007 por força de lei estadual é uma medida positiva para redução do desperdício de água em novos condomínios. A economia pode chegar a 25% do volume total. Contudo, a falta de regulamentação e o veto por parte de alguns municípios, como São Paulo, têm dificultado a implantação.

Pequenas mudanças de comportamento como: não utilizar mangueira para limpar pisos, não jogar lixo no vaso sanitário, reaproveitar água da lavagem de roupas e reduzir o tempo no banho podem reduzir o consumo significativamente.

Campanhas publicitárias ajudam a conscientizar os cidadãos sobre o uso consciente da água e entender a importância do reuso de água proveniente de pia, banho e lavagem de roupas. Esse procedimento já é aplicado em países com poucos recursos hídricos, entre os quais estão: Japão, Austrália, Israel, Namíbia, Inglaterra e Cingapura.

É importante também incentivar a coleta e aproveitamento da água da chuva para uso não potável (descarga de vasos sanitários, rega de jardins e lavagem de pisos). Em 2012, foi construído o Aquapolo, projeto que aproveita a água tratada da estação de tratamento do ABC, entre São Paulo e São Caetano e destina para o polo petroquímico na região de Mauá e Santo André.

Atualmente o usuário paga pelo tratamento, transporte e distribuição da água, mas não pelo produto em si. A Lei nº 9.433, de 1997, conhecida como Lei das Águas, fundamenta preceitos modernos para o gerenciamento da água, como a gestão descentralizada, participativa e a cobrança pelo uso. Nesse âmbito, ela preconiza que a água é um bem público, mas limitado e dotado de valor econômico, cujo uso deve ser regulamentado por autoridades governamentais.

A condição futura

Não há uma solução única e simples para o problema. Os investimentos em qualidade da água, distribuição e tecnologia precisam ser constantes e não apenas em momentos de crise como agora. A situação do abastecimento de água é resultado do descaso histórico das autoridades e da falta de uma política consistente de gestão dos recursos hídricos em médio e longo prazo. É necessário mudar a mentalidade e as atitudes dos nossos governantes.

A população da região metropolitana de São Paulo, quinta maior do mundo, chegará a 25 milhões de pessoas em 2030. A escassez de água é uma preocupação mundial. A distribuição dos recursos pelo planeta não é equilibrada. Mais da metade das reservas de água doce globais pertencem a apenas dez países. O acesso à água é também uma é questão de saúde pública, pois o saneamento básico é fator fundamental para prevenção de doenças. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no final de 2012, 89% da população já dispunham de acesso a fontes dignas de água potável. Contudo, ainda faltam 11%, ou seja, 800 milhões de seres humanos.

Foto 1: Vagner Campos/ A2 Fotografia/ Fotos públicas
Fonte e Agradecimentos: http://namu.com.br/materias/entenda-crise-do-sistema-cantareira
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