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Nota técnica da SABESP alertava situação crítica desde 2004

A outorga de direito de uso de recursos hídricos é um instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos, que assegura o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água. A responsabilidade e coordenação da outorga do Sistema Cantareira é da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Departamento de Águas e Energia (DAEE), por suas represas receberem contribuições de rios federais e estaduais. Desde 1974, a SABESP obtem sucessivamente esse controle, e a última venceria em agosto deste ano.

Uma nota técnica de análise das principais questões que envolvem a renovação da outorga, realizada por técnicos da SABESP em janeiro de 2014, apresentou os riscos que as propostas da ANA e DAEE ocasionariam no sistema de abastecimento para a região metropolitana de São Paulo. Mas, além, apresentou um conjunto de alertas e riscos já conhecidos desde 2004, data que iniciou a concessão que duraria 10 anos.

As críticas da nota técnica são em relação a um documento-guia, feito pela Agência e pelo Departamento em dezembro de 2013, para autorização do direito de uso de recursos hídricos. Propõe condições “inaceitáveis”, segundo a nota, que aumentariam as preocupações já existentes do Sistema Cantareira.

As justificativas, usadas pelo ANA e pelo DAEE, são de impulsionar o sistema agora, a fim de evitar o “racionamento administrável”. Entretanto, a nota demonstra que mesmo com essas modificações, se chegasse a situações críticas, o “rodízio administrável” já estava previsto pela SABESP.

A fim de compreender melhor os dados que traçam objetivamente o desequilíbrio e os riscos, algumas contextualizações necessárias:

– Para ser planejado e executado, o Sistema Cantareira levou 16 anos com um custo histórico de cerca de 2,5 bilhões de dólares, e é constituído por 6 represas (Jaguari-Jacareí, Cachoeira, Atibainha, Paiva Castro e Águas Claras).

– Quatro delas (Jaguari-Jacareí, Cachoeira e Atibainha) fazem parte das Bacias PCJ, fora da Região Metropolitana. A represa Paiva Castro localiza-se em Mairiporã e também serve como reservatório.

Desconsiderando os riscos apontados quanto às sugestões e propostas para a nova outorga, levantamos apenas os aspectos críticos já constatados do Sistema Cantareira:

– A disponibilidade efetiva hídrica da Região Metropolitana de São Paulo é de 135 m³/habitante/ano, muito inferior aos 2.500 m³/habitante/ano classificados pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um limite de escassez. Abaixo de 1500 m³/hab/ano, a situação passa a ser qualificada como “crítica”. Ou seja, se essa disponibilidade fosse 10 vezes maior, ainda assim, seria considerada “crítica” pela ONU.

-A capacidade de oferta de água tratada pela Região Metropolitana alcançava (em janeiro de 2014) 73,5 m³/s. E o consumo médio anual atingiu 69,4m³/s, em 2013. Entretanto, no verão o consumo já se mantinha acima da capacidade total de produção, com picos de 77 a 78 m³/s.

– Essa defasagem era garantida por uma operação otimizada das estações de tratamento, “mas que não se pode estender indefinidamente”.

– Há que se considerar o crescimento populacional, calculada em no mínimo 200 mil novos habitantes a cada ano na região, gerando um acréscimo necessário de 0,7m³/s.

– Para atender essa outra necessidade, a Sabesp implantou em 2011 a Parceria Público Privada do Alto Tietê, que adicionou 5m³/s de água, e deu início a uma segunda contratação do Sistema São Lourenço. Entretanto, tardiamente, as obras que acrescentariam mais 4,7 m³/s teriam início só em março de 2014, com um custo de investimento próximo de R$ 1,6 bilhão.

– Conclui-se que o Sistema de Abastecimento é operado pela Sabesp em regime de “sintonia fina” entre a demanda e a oferta. A nota explica que isso é permitido com o acompanhamento estrito do desempenho e a capacidade de armazenamento por represas que viabilizam a regularização das águas, equilibrando períodos chuvosos e de estiagem. “Porém, como não podia deixar de ser, sujeito aos riscos inerentes dos períodos hidrológicos com escassez acentuada de chuvas”.

– “Pode-se afirmar e comprovar, portanto, que o abastecimento da RMSP não tem capacidade ociosa”, ou seja, não possui “folga” entre produção e demanda.

– Na outorga feita em 2004, ampliou a disponibilidade para os Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) de 3m³/s para 5m³/s, reduzindo o nível de confiabilidade de 95% para 83% nas represas, o que significou a probabilidade de que em 17% do tempo não se tenha mais a disponibilidade de 36 m³/s. Portanto, “aumentado os riscos para atendimento das demandas para o abastecimento público para a RMSP”.

– Esse aumento da vazão ocorreu com um novo conceito de rebaixamento do nível mínimo das represas, o que permitiu a incorporação de um volume maior a ser usado, mas “trazendo como consequência a elevação do nível de risco, já que as represas perderam parte de sua reserva de contingência”.

– Entre 1930 e 2013, a represa Paiva Castro incorporou 4,7 m³/s às vazões das represas do PCJ. Entretanto, ainda que a contribuição pudesse ser caracterizada como uma conquista, os técnicos atentaram que essa vazão é observada apenas durante 40% do tempo. “Isto quer dizer que durante 60% do período abrangido pela série histórica, a represa Paiva Castro não atinge a vazão de 4,7 m³/s”.

– Ainda assim, foi somente com essa vazão instável do excedente da represa Paiva Castro, em um contexto até então ideal de regime de chuvas, que foi possível a formação de uma “poupança” de água, ao longo desses anos.

– A confiabilidade operacional do Sistema diminuiu de 95% na outorga de 1974 para 83% na outorga de 2004, um risco “considerado alto para sistemas de abastecimento público”.

– O prazo de validade da outorga de 10 anos (de 2004-2014 e que mais uma vez é proposto para a renovação) é “incompatível com a importância do abastecimento para mais de 20 milhões de habitantes, que não pode viver essa insegurança em tão curto espaço de tempo”.

– “Este tempo é insuficiente para a amortização de investimentos a serem feitos pelo estado na regularização de vazões do PCJ (por meio das represas Duas Pontes e Pedreira), assim como para a maturação de investimentos crescentes em gestão da demanda e controle de perdas”.

– Informa a necessidade de uma revisão nos parâmetros dos volumes do Banco de Águas, prevendo que o mesmo “não cumprirá suas funções para o atendimento das demandas de abastecimento da RMSP”.

– “Em períodos hidrológicos desfavoráveis, com poucas chuvas, quanto menor os níveis das represas mais as Curvas de Aversão a Riscos tornam-se restritivas”, uma vez que a intenção é de preservar o volume de água pelo maior tempo possível.

– “Como consequência, as vazões disponibilizadas seriam reduzidas e quando da indisponibilidade de usar a poupança do Banco de Águas, por não tê-la acumulado”, ampliaria a insegurança, com vazões abaixo “do mínimo necessário para que a SABESP não adote o racionamento na RMSP”.

– A nota exemplifica que se a vazão do Cantareira chegasse em 28 m³/s, haveria a implantação de um rodízio “administrável” para 9 milhões de habitantes. Mas se chegasse a menos que isso, “teríamos consequências imprevisíveis para o atendimento dos 20 milhões de habitantes da região”.

De acordo com o boletim diário da ANA/DAEE de monitoramento do Sistema Cantareira, a vazão liberada para a SABESP hoje (29) foi de 18,90m³/s do túnel 5, transferida para o Reservatório Paiva Castro, e de 20,10 m³/s da água da Estação Elevatória de Santa Inês.

Por fim, a nota técnica conclui que o agravamento da probabilidade de “reduções de vazões, associado a regimes hidrológicos instáveis, implicaria na adoção de medidas drásticas de um racionamento que pode se prolongar por meses”.

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Fonte e Agradecimentos: GGN
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