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TJ-RJ reabre debate sobre legalidade da cobrança de cobrança de esgoto

Uma decisão proferida pela 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro poderá reabrir a discussão em torno da validade da tarifa de esgoto nos casos em que a concessionária não procede o devido tratamento sanitário. Desde junho do ano passado, os tribunais seguem o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, firmado em recurso repetitivo, de que a cobrança é legal.

Porém, o colegiado do TJ-RJ, ao analisar uma ação semelhante, condenou a prestadora de serviço por entender que ela não cumpre o mandamento constitucional de se preservar o meio ambiente — questão que não fora apreciada pelo Tribunal Superior. A determinação foi unânime e nos termos do voto do relator, desembargador Marcelo Buhatem (foto). Segundo o relator, não é possível aferir se o STJ levou em consideração a questão ambiental na hora de julgar o recurso repetitivo.

O caso chegou à 22ª Câmara Cível por meio da Apelação Cível 0012735-59.2011.8.19.0007, interposta por um consumidor inconformado com a decisão de primeiro grau que beneficiou a empresa Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Barra Mansa (SAAE), ré na ação que ele moveu. O cliente alega que a prestadora de serviço não promove o devido tratamento do esgoto de sua residência — fato confirmado pela própria companhia.

O autor pediu a devolução em dobro das tarifas pagas nos últimos 20 anos, além de indenização por dano moral. Buhatem acolheu o pedido em parte: estipulou a reparação em R$ 3 mil e determinou a restituição de forma simples dos valores pagos. Para o desembargador, houve violação ao Código de Defesa do Consumidor.

“Considerando que o réu não disponibiliza o serviço de tratamento de esgoto na região onde se localiza o imóvel da parte autora, conclui-se que não há efetiva prestação do serviço de esgotamento sanitário, sendo, portanto, ilegais as cobranças efetuadas”, disse.

A falta na prestação de serviço não foi a única razão que levou à 22ª Câmara Cível a punir a empresa. “A questão da ausência de tratamento dos dejetos não é matéria que se compartimenta somente no aspecto tarifário porquanto o deságue de esgotamento sanitário in natura que fere a proteção mínima de meio ambiente ecologicamente equilibrado, ofendendo, pois, o direito fundamental previsto no artigo 225 da Constituição Federal”, afirmou o relator em seu voto.

Para o desembargador, a questão relacionada à preservação do meio ambiente “demanda ser apreciada por aquilo que a doutrina em direito ambiental convenciona classificar como Teoria da equidade intergeracional, albergadas na Declaração Universal Dos Direitos Humanos, Convenção Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, entre outros”.

Repetitivo
O STJ declarou a legalidade da tarifa de esgoto, mesmo nos casos
em que a concessionária não faz o tratamento dos dejetos, ao julgar, em junho do ano passado, o Recurso Especial 133.9313. Interposto pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), o recurso visava a reforma de uma decisão também proferida pelo TJ-RJ que declarara a cobrança ilegal.

Também nesse caso, o autor pleiteava o ressarcimento em dobro das tarifas pagas pela não prestação do serviço — ou seja, pela inexistência de tratamento do esgoto da sua residência. Ao apreciar o caso, a 1ª Seção da Corte afirmou que a cobrança era legal quando a concessionária promove a coleta, o transporte e o escoamento dos dejetos. Para o colegiado, o tratamento “é uma etapa posterior e complementar, travada entre a concessionária e o poder público”.

A decisão gerou o enunciado, desde então seguido pela primeira e segunda instância da Justiça em todo o país, nos casos idênticos: “é legal cobrança de tarifa de esgoto ainda que não haja tratamento sanitário”. O STJ não recebe mais recursos oriundos dessa matéria — a não ser aqueles que questionam decisão no sentido contrário à orientação consolidada pela Corte.

LEIA A DECISÃO NA ÍNTEGRA: 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012735-59.2011.8.19.0007

Vigésima Segunda Câmara Cível

 

Relator: Desembargador MARCELO BUHATEM

APELANTE: JOSIMO FERNANDES

APELADO: SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO DE BARRA MANSA – SAEE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C REPARAÇÃO DO DANO MORAL – DIREITO AMBIENTAL – COBRANÇA DE TARIFA DE ESGOTO SANITÁRIO PELO SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO – AÇÃO QUE NÃO SE COMPARTIMENTA SOMENTE NA QUESTÃO TARIFÁRIA – AÇÃO COM FORTE NATUREZA CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL.

 

LAUDO PERICIAL PERITO QUE CONSTATOU QUE DESDE O LANÇAMENTO JUNTO A UNIDADE RESIDENCIAL DA PARTE AUTORA, ATÉ AO ENCONTRO COM AS ÁGUAS DO RIO PARAÍBA DO SUL, O ESGOTO NÃO RECEBE TRATAMENTO, OU SEJA, SE ENCONTRA NO ESTADO  IN NATURA.

 

SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA –

 

ALEGAÇÃO DA AUTARQUIA DE QUE NÃO COBRA PELO SERVIÇO DE TRATAMENTO DE ESGOTO MAS TÃO SOMENTE PELA CAPTAÇÃO, TRANSPORTE E DESTINAÇÃO FINAL – CÁLCULO DO DESÁGIO DE DIFÍCIL PERCEPÇÃO E APURAÇÃO PELO USUÁRIO DO SISTEMA – HIPOSSUFICIÊNCIA COMPROVADA.

 

 

CONDUTA DA CONCESSIONÁRIA QUE SE REVELA ABUSIVA E VIOLADORA DO DEVER DE INFORMAÇÃO PREVISTO NOS ARTIGOS 6, 31, 39 e 51 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – OBSCURIDADE NA FORMA DE COBRANÇA DO SERVIÇO EM COTEJO – DIÁLOGO DAS FONTES – AUSÊNCIA DE QUALQUER ESCLARECIMENTO QUE PERMITA CONCLUIR QUE A INDIGITADA CONTA SÓ É COBRADA PARCIALMENTE E E QUE AS TARIFAS DE ÁGUA E ESGOTO TEM RELAÇÃO DE 1 PARA 1 – CONCLUSÃO AO FINAL DE IMBRICADA ILAÇÃO – COMPROVADA HIPOSSUFICIÊNCIA POR RAZÕES TÉCNICAS.

 

MOLDURA FÁTICA QUE TAMBÉM SE ADEQUA AO ART.422 DO CCB – APELADA QUE SE DESCURA DO ATENDIMENTO AOS DEVERES QUE DECORREM DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA – INOBSERVÂNCIA AOS DEVERES ANEXOS DE CONDUTA TAMBÉM CHAMADOS DE LATERAIS OU SECUNDÁRIOS.

 

OFENSA AO DIREITO FUNDAMENTAL PREVISTO NO ART.225 DA C.R.F.B. – DESÁGUE DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO IN NATURA QUE FERE A PROTEÇÃO MÍNIMA DE MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO – TRATAMENTO COMO UMA DAS FASES AMBIENTALMENTE MAIS RELEVANTES DO CICLO.

 

APROFUNDADO ENFOQUE DA MATÉRIA – DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA.

 

JUDICIÁRIO QUE NÃO DEVE SE ABSTER DE ENFRENTAR QUESTÕES DE NATUREZA AMBIENTAL QUEDANDO-SE INERTE DIANTE DE EXTENSO, GRAVE E VIRTUALMENTE PERPÉTUO DERRAME DE FEZES, URINA E OUTROS DEJETOS SEM QUALQUER TRATAMENTO ADEQUADO EM RIOS, MARES CÓRREGOS OU LENÇOL FREÁTICO – COMPROMISSO INTERGERACIONAL DE PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE – AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA E LEGALIDADE – ILEGALIDADE DA COBRANÇA – APELADO QUE NÃO REALIZA O TRATAMENTO DO ESGOTO – FATO PÚBLICO E NOTÓRIO QUE INDEPENDE DE PROVA – DEJETOS RECOLHIDOS DAS UNIDADES RESIDENCIAIS E LANÇADOS SEM O NECESSÁRIO TRATAMENTO – LANÇAMENTO NA REDE PLUVIAL –  SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO QUE DEVE ENGLOBAR O RECOLHIMENTO, A CANALIZAÇÃO E O TRATAMENTO DO ESGOTO, CONFORME ARTIGO 3º, ALÍNEA B, DA LEI FEDERAL Nº 11.445/07 –

 

DESCABIMENTO DE SUA COBRANÇA SEM QUE TODAS AS ETAPAS SEJAM CUMPRIDAS – TRANSMUDAÇÃO DO USUÁRIO EM INVESTIDOR  DO SISTEMA – REPASSE DOS INVESTIMENTOS NECESSÁRIOS À IMPLANTAÇÃO, EXTENSÃO E MANUTENÇÃO DO SERVIÇO QUE CUMPRE À APELADA – PERMITIR A COBRANÇA DE TARIFA HIPOTETICAMENTE DIFERENCIADA AUTORIZANDO O DERRAME DE ESGOTO IN NATURA É FAZER TABULA RASA DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO –

 

NOTÍCIA DE JULGAMENTO DE RESp N°1339313 – ENTENDIMENTO MANIFESTADO PELA EGRÉGIA CORTE NO SENTIDO DA LEGALIDADE DA COBRANÇA ORA INQUINADA – FATO QUE NÃO INFIRMA O PROVIMENTO DO RECURSO – CONSTATAÇÃO NO SENTIDO DE QUE TAL JULGADO AINDA NÃO FOI PUBLICADO – MATÉRIA VEICULADA QUE NÃO PERMITE CONCLUIR PELA ABORDAGEM DO THEMA SOB TODAS AS NUANCES PRESENTEMENTE ATACADAS, MORMENTE SOB O ENFOQUE DO DIREITO AMBIENTAL

 

DEVOLUÇÃO QUE SE IMPÕE – DANO MORAL CONFIGURADO – REPETIÇÃO DO INDÉBITO DE FORMA SIMPLES – PRESCRIÇÃO DECENAL – SENTENÇA QUE SE REFORMA.

 

  1. Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c repetição do indébito c/c reparação por dano moral proposta pela apelante em face da Concessionária de Serviço Público SAAE, ora apelada, em decorrência da cobrança de tarifa de água e esgoto, ao argumento de que a mesma não efetivou o necessário tratamento do esgoto.

 

  1. 2. Pugna pela declaração de ilegalidade da cobrança, bem como pela restituição do indébito, em dobro e condenação da ré ao pagamento de indenização moral.

 

 

  1. Embora o perito afirme, no Laudo pericial acostado aos autos que “Desde ao lançamento junto a unidade residencial da parte autora, até ao encontro com as águas do Rio Paraíba do Sul, o esgoto não recebe tratamento, ou seja, se encontra no estado  in natura”, a  sentença julgou improcedente o pedido.

 

  1. Não há dúvidas de que, na presente lide, a despeito de envolver prestação de serviço público essencial e de ser a ré autarquia municipal, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor.

 

  1. A apelada não comprovou a prestação completa e efetiva do serviço de fornecimento de água e coleta de esgoto, sendo fato público e notório a inexistência da etapa de tratamento do esgoto sanitário.

 

  1. Confissão em contrarrazões no sentido de que a apelada ainda não promove o tratamento dos resíduos coletados nos imóveis de Barra Mansa. Moldura fática que dispensa se devolva a quaestio ao primeiro grau de jurisdição. Desnecessidade de instrução probatória. Aplicação da teoria da causa madura.

 

 

  1. Empresa ré que, inobstante alegue que desconta os valores relativos aos serviços não prestados, o faz de modo obscuro, com difícil percepção, que somente se extrai após imbricada ilação violando, assim, o dever de informação, previsto no artigo 31, do Código de Defesa do Consumidor, bem como o princípio da boa-fé, previsto no artigo 422, do Código Civil, que trazem como consectários os deveres acessórios, também chamados de laterais, secundários ou anexos.

 

  1. Ainda que comprovada a cobrança nos moldes denunciados pela apelada, de forma parcial, em decorrência do não tratamento dos dejetos, o que deveras não se deu na espécie, nem assim tal fato serviria ao propósito por ela pretendido, ante o enfoque que dedico à matéria, que privilegia questão ambiental que ela encontra-se essencialmente imbricada, donde releva, como se verá, o compromisso intergeracional de preservação do meio ambiente.

 

  1. Deságue de esgotamento sanitário in natura que fere a proteção mínima de meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tratamento a disposição final como fases ambientalmente mais relevantes do ciclo. Ofensa ao direito fundamental previsto no art.225 da C.R.F.B.

 

  1. Art. 3, III, “e”, da Lei n°6.938/81. Judiciário que não deve se abster de enfrentar questões de natureza ambiental quedando-se inerte diante de extenso, grave e virtualmente perpétuo derrame de fezes, urina e outros dejetos sem qualquer tratamento adequado em rios, mares, córregos ou lençol freático.

 

  1. Inescapável compromisso com o caráter intergeracional da preservação do meio ambiente. Teoria da equidade intergeracional. Sua previsão nos instrumentos internacionais de proteção do Meio Ambiente, aos quais o Brasil manifesta adesão. Precedentes do STJ.

 

  1. Afirmação da recorrida de que a cobrança da tarifa é efetuada de forma parcial, somente em relação ao serviço de captação, transporte e destinação final. Alegação empírica, tendo em vista que não há clareza e precisão suficientes no demonstrativo da conta apresentada ao consumidor que permitam aferir a proporcionalidade entre o serviço prestado e o valor cobrado.

 

  1. Lei nº 11.445./2007 que, em momento algum, autoriza a cobrança de tarifa sem a contraprestação completa do serviço, ou seja, sem o atendimento das quatro fases do ciclo, afinal, somente se fala em esgotamento sanitário se todas estas etapas estão concluídas, sem elas há qualquer outra coisa, exceto esgotamento sanitário.

 

  1. CDC, no seu Art.3,§2°, que ao definir serviço, o faz expressamente prevendo “…ser qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração…”. Não existindo fato gerador para dar ensejo à cobrança, torna-se a mesma indevida, fazendo a autora jus ao não pagamento da tarifa da forma engendrada.

 

  1. Transmudação do usuário em investidor do sistema. Aceitar-se o repasse dos custos necessários à implantação, extensão e manutenção do serviço ao seu destinatário final traduz certo e descabido acumpliciamento com a desídia da Edilidade em implantar todas as fases do ciclo, tal e qual a lei lhe obriga. Devolução, pois, que se impõe.

 

  1. A matéria se encontra pacificada consoante o verbete sumular 108 deste Tribunal de Justiça, ipsis litteris: “Incabível a cobrança de tarifa pela simples captação e transporte do esgoto sanitário.”

 

  1. Devolução de forma simples. Relevo da discussão contratual e tarifária. Interpretattio. Orientação da súmula nº 85 desta Corte.

 

  1. Dano moral. Levando-se em conta o caráter pedagógico-punitivo, na linha de precedentes jurisprudenciais, é de se arbitrar o valor da compensação de forma prudente, isto é, afastando o enriquecimento sem causa, mas, sem olvidar da fixação de valor que cumpra a finalidade de ordem psíquica, a transparecer que o dano moral foi devidamente compensado.

 

  1. Notícia de julgamento do RESp n°1338313. Fato é que a Egrégia Corte do STJ, em notícia veiculada em 18/06/2013, entendeu que “é legal cobrança de tarifa de esgoto ainda que não haja tratamento sanitário”.

 

  1. Malgrado, constata-se que tal acórdão ainda não foi publicado, não se permitindo, pois, investigar se o presente thema foi tratado sob todos os aspectos aqui abordados, mormente sob o prisma do compromisso intergeracional de preservação do meio ambiental¸que, ao meu sentir, é dos mais caros na apreciação da presente causa. Mantenho, pois e, ao menos por ora, meu entendimento no sentido de acolher-se a pretensão autoral.

 

  1. Peculiaridades do caso concreto que autorizam a fixação do valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de compensação por danos morais, tendo em vista que a parte autora vem sendo indevidamente admoestada pela empresa ré a proceder ao pagamento por serviço nunca prestado, tendo inclusive frustrado as suas legítimas expectativas.

 

DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA.

 

A C Ó R D Ã O

 

                           VISTOS, relatados e discutida esta APELAÇÃO CÍVEL0012735-59.2011.8.19.0007 em que é APELANTE JOSIMO FERNANDES e APELADO SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO DE BARRA MANSA – SAEE.

 

 

ACORDAM os Desembargadores que compõem a Vigésima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por _________________votos, em DAR parcial provimento ao apelo, nos termos do voto do Relator.

 

 

 

 

                         RELATÓRIO

 

 

Trata-se de demanda ajuizada por JOSIMO FERNANDES  em  face  de  SAAE  –  SERVIÇO  AUTÔNOMO  DE ÁGUA  E  ESGOTO  DE  BARRA  MANSA,  sob  o  procedimento  comum ordinário, alegando ser usuário da prestação de serviço de fornecimento de  água e  tratamento de esgoto e  que,  apesar  de haver  cobrança mensal de tarifa de tratamento de esgoto, o serviço não é prestado em nenhuma das três fases do serviço que lhe cabe (“não colhe o esgoto, não o encaminha para onde quer que seja nem o trata”). Pede seja o réu condenado na obrigação de não fazer, consistente na abstenção de cobrança da taxa de esgoto, bem como à repetição de indébito referente à cobrança a título de tarifa de esgoto nos últimos vinte anos, em dobro. Pleiteia, ainda, indenização por danos morais.

 

Promoção ministerial (doc. 104), afirmando o Parquet deixar de oficiar no feito, pois sua intervenção não se justifica.

 

Laudo pericial (doc. 00127), em que o perito respondeu a vários quesitos, e, embora não apresentando conclusão final, asseverou no item 2.6 que “Desde ao lançamento junto a unidade residencial da parte autora, até ao encontro com as águas do Rio Paraíba do Sul, o esgoto não recebe tratamento, ou seja, se encontra no estado  in natura.”

 

Sentença de improcedência (doc. 00142). Sem custas nem honorários diante da gratuidade de justiça deferida parte autora. O d. magistrado julgou improcedente o pedido autoral, fundamentando suas razões de decidir em “posicionamento jurisprudencial, sedimentado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, uma vez verificada a utilização do serviço de afastamento e destinação final dos esgotos sanitários, mesmo que inexistente o tratamento do esgoto, resta justificada a cobrança sob discussão.”

 

A parte autora interpôs recurso de apelação (doc. 00145), argumentando inexistir tratamento de esgoto, bem como de qualquer das etapas relacionadas ao serviço, lançando-o na rede pluvial.  Afirma que a função da ré é construir uma rede de esgoto e não cobrar tarifa sob o pretexto de fazer também a manutenção da rede pluvial, posto que a rede pluvial da cidade tem sua manutenção sob responsabilidade da prefeitura. Afirma que, ao contrário do que consta da sentença, a Lei nº 11.445/2007 estabelece a cobrança de tarifa ou preço público em decorrência da utilização de redes de abastecimento de água e de esgoto,  mas não se permite a cobrança de tarifa pelo lançamento de esgoto na rede pluvial. Pleiteia a reforma da sentença, para determinar a devolução em dobro dos valores pagos a titulo de tarifa de esgoto pelos apelantes nos últimos 20 anos, bem como a imediata abstenção de efetuar a cobrança ilegal de tal tarifa. Suplica que seja revogada a sentença e que o processo retorne à instrução e seja feita perícia para apurar a existência ou não de rede de esgoto servindo a residência do apelante, tendo em vista ser este o ponto controvertido.

 

Fotos (docs. 000158 a 00162).

 

Contrarrazões (doc. 00165), argumentando a SAAE que não cobra por serviços referentes ao tratamento de esgoto e que tais valores cobrados são utilizados para a manutenção e ampliação dos equipamentos públicos de coleta de esgoto (encanamento), conforme previsto no art. 29, § 1º, III, da Lei nº 11.445/2007. Pede seja mantida a sentença na íntegra.

 

V O T O.

 

Conheço do recurso, por ser tempestivo, e por se encontrarem presentes os requisitos de admissibilidade.

 

 

I – INCIDÊNCIA DO CDC: ART.2° E 3° DO CODECOM

 

Inicialmente, não se olvide que é aplicável o CDC ao caso em tela, tendo em vista que está configurada uma relação de consumo, nos moldes dos artigos 2º e 3º, do CDC, sendo este o entendimento já pacificado na jurisprudência pátria.

 

Desta forma, não há dúvidas de que, na presente lide, a despeito de envolver prestação de serviço público essencial e de ser a ré Autarquia municipal, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor.

 

II – CONTROVÉRSIA: LEGALIDADE DA COBRANÇA DA TARIFA DE ESGOTO À MÍNGUA DA PRESTAÇÃO DE TODAS AS SUAS FASES

 

A controvérsia reside no fato de saber se o serviço de esgotamento sanitário em relação ao imóvel da apelante é efetivamente prestado pela concessionária apelada e, em caso negativo, se é legal a cobrança do respectivo valor na conta mensal de fornecimento de água.

 

II.1 – NATUREZA JURÍDICA DA CONTRAPRESTAÇÃO PAGA PELO SERVIÇO: TARIFA OU PREÇO PÚBLICO

 

Sobre a quaestio, o E. STF já decidiu que a natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgotamento sanitário é de tarifa ou preço público, consubstanciando uma contraprestação de caráter não-tributário. Eis a ementa do voto condutor do Min. RICARDO LEWANDOWSKI, verbis:

 

EMENTA: TRIBUTÁRIO. SERVIÇO DE COLETA OU TRATAMENTO DE ESGOTO. PREÇO PÚBLICO. CONSTITUCIONALIDADE. PREQUESTIONAMENTO. OCORRÊNCIA. I – Ocorrência do necessário prequestionamento, visto que a questão constitucional em debate foi devidamente discutida no acórdão recorrido. II – O quantitativo cobrado dos usuários das redes de água e esgoto é tido como preço público. Precedentes. III – Agravo regimental improvido. (RE 544289 AgR / MS, , Primeira Turma, Julgamento:  26/05/2009)

 

Esta também é a posição adotada por este E. Tribunal, conforme se infere da Súmula 82 da Jurisprudência Predominante:

 

É legítima a cobrança de tarifa diferenciada ou progressiva no fornecimento de água, por se tratar de preço público.

 

O preço público ou a tarifa é a remuneração paga pelo usuário por utilizar um serviço público divisível e específico, regido por regime contratual, e voluntariamente contratado.

 

Em decorrência de sua natureza contratual, a cobrança de preço público ou tarifa só poderá ser realizada mediante a efetiva prestação do serviço contratado pelo particular, sob pena de haver um enriquecimento sem causa do prestador do serviço.

 

No caso em tela, a parte autora propôs a presente ação para que seja determinada a ilegalidade da cobrança de tarifa de esgotamento sanitário, sob o argumento de que, como o réu não trata o esgoto, não há efetiva prestação do serviço.

 

In casu, é fato público e notório, prescindindo, inclusive, de prova, lastreado, aliás, no teor das próprias contrarrazões, que a ré, ora recorrida, não promove o tratamento do esgoto gerado.

 

Nesse sentido, a solução do litígio passa por averiguar se a mera coleta e transporte de esgoto consubstancia efetiva prestação do serviço de esgotamento sanitário.

 

Cumpre informar, ainda, que no laudo pericial acostado no doc.   00127, o perito afirma que “2.4 – Após percorrer um trecho do logradouro em tela, por gravidade, a rede coletora é conectada a uma rede mista construída com tubo de cimento, com diâmetro de 0,50m, sendo direcionada para uma servidão/passagem existente no local, a frente do número 485, transpassando a quadra; após é redirecionada a uma vala, existente no meio da quadra, compreendida entre os logradouros K e Kl, que após percorrer longo trecho, desemboca no Rio Paraíba do Sul. 2.5- Rede mista se caracteriza como um sistema que capta tanto esgoto sanitário, no caso residencial, e águas pluviais. 2.6- Desde ao lançamento junto a unidade residencial da parte autora, até ao encontro com as águas do Rio Paraíba do Sul, o esgoto não recebe tratamento, ou seja, se encontra no estado  in natura.”

 

Em respostas aos quesitos, afirmou o perito, conforme transcrição de parte do laudo pericial, verbis:

 

3.1- “1)  Existe rede autônoma do SAAE-BM que leve o esgoto ate o Rio Paraíba do Sul ou mesmo é conduzido por rede pluvial?”

Resposta: No caso concreto, não.

 

3.2-  “2) A rede pluvial é a rede correta para o lançamento dos dejetos de esgoto? Porque?”

Resposta: O esgoto produzido na unidade residencial da parte autora também é direcionado á uma rede mista; ademais, rede de água pluvial é para colher água pluvial, como o próprio nome indica.

 

3.3- “3)  O lançamento de esgoto na rede pluvial enseja a proliferação de insetos e parasitas? Causa mau cheiro devido ao forte odor?”

Resposta: Certamente.

 

3.4-  “4)  O lançamento de esgoto na rede pluvial pode causar doenças na população local?”

Resposta: Pode.

 

 

Por outro lado, o d. magistrado chegou a entendimento diverso, julgando improcedente o pedido autoral, fundamentando suas razões de decidir em “posicionamento jurisprudencial, sedimentado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, uma vez verificada a utilização do serviço de afastamento e destinação final dos esgotos sanitários, mesmo que inexistente o tratamento do esgoto, resta justificada a cobrança sob discussão.”

 

II.2 – ANÁLISE DA QUESTÃO SOB O PRISMA DA LEI 11.447/07: ART.3°, I, “B” E AS ATIVIDADES DE COLETA, TRANSPORTE, TRATAMENTO E DISPOSIÇÃO FINAL ADEQUADOS DOS ESGOTOS SANITÁRIOS.

 

 

A lei 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, define, em seu art. 3º, I, b, o esgotamento sanitário nos seguintes termos:

 

“Art. 3º – Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – saneamento básico: conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de:

  1. b) “esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente;”

 

 

O serviço de esgotamento sanitário, portanto, compreende as etapas de coleta, transporte, tratamento e disposição. Então, para que o serviço seja eficientemente prestado, o poder público, ou seu delegatário, deverá disponibilizar todas as referidas etapas.

 

Frise-se que em a apelada confessou que ainda não promove o tratamento dos resíduos coletados nos imóveis de Barra Mansa, o que autoriza, para desde logo, a adoção da teoria da causa madura, permitindo ao Tribunal se pronuncie acerca de seu mérito.

 

Estabelecidas tais premissas tenho que a previsão, constante no art. 9º, do Decreto 7.217/2010, de que o serviço público de esgotamento sanitário pode ser constituído por uma ou mais etapas, não tem o condão de afastar o entendimento de que não há efetiva prestação do serviço público, quando ausente o tratamento do esgoto.

 

Com efeito, padece a referida norma regulamentadora de vício de ilegalidade, porquanto amplia o sentido da norma regulada em detrimento do interesse público e dos usuários do serviço, excedendo os limites estabelecidos pela lei.

 

A ausência de uma das etapas, notadamente a mais importante sob o ponto de vista social, a importar no chamamento dos chamados direitos transidividuais é, sem dúvida, a fase do tratamento das fezes recolhidas pelas concessionárias prestadoras de serviço. E assim é, pela superlativa obediência aos princípios constitucionais da legalidade e, principalmente, neste caso, eficiência.

 

Não há como se admitirem atos ou etapas em fatias, sobejando a clara percepção de que, sem a existência da mais importante fase, a do tratamento sanitário, não há que se falar em prestação aceitável e adequada do serviço.

 

Assim, fácil concluir-se pela defeituosa prestação do serviço público, ferindo princípios constitucionais da eficiência e legalidade.

 

II.3 – ANÁLISE DA QUESTÃO SOB O PRISMA DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA

 

O princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social.

 

Sobre o tema pontifica VLADIMIR DA ROCHA FRANÇA:

 

“O princípio da eficiência administrativa estabelece o seguinte: toda ação administrava deve ser orientada para concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones jurídico-administrativo.”

 

Entre os fundamentos de seus argumentos, ele indica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que cita:

 

“Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas obvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais suma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da ‘boa administração’”.

 

 

Logo, é fácil interpretar sistematicamente e teleologicamente que a norma jurídica emanada do princípio da eficiência utiliza o sentido amplo de eficiência. O conceito amplo de eficiência é trazido de forma plena, ou também colocado por UBIRAJARA COSTODIO como sentido comum, in verbis:

 

“Do exposto até aqui, indentifica-se no princípio constitucional da eficiência três idéias: prestabilidade, presteza e economicidade. Prestabilidade, pois o atendimento prestado pela Administração Pública deve ser útil ao cidadão.

Presteza porque os agentes públicos devem atender o cidadão com rapidez. Economicidade porquanto a satisfação do cidadão deve ser alcançada do modo menos oneroso possível ao Erário público. Tais características dizem respeito quer aos procedimentos (presteza, economicidade), quer aos resultados (prestabilidade), centrados na relação Administração Pública/cidadão.

 

Observando esses dois aspectos (interno e externo) da eficiência na Administração Pública, então, poder-se-ia enunciar o conteúdo jurídico do princípio da eficiência nos seguintes termos: a Administração Pública deve atender o cidadão na exata medida da necessidade deste com agilidade, mediante adequada organização interna e ótimo aproveitamento dos recursos disponíveis.

 

Importante também o aspecto econômico, que deve pautar as decisões do administrador, levando-se em conta sempre a relação custo-benefício. Assim, por exemplo, construir uma linha de distribuição elétrica em rua desabitada pode ser politicamente interessante, mas não será um investimento eficiente para a sociedade, que arca com os custos e não obtém o benefício correspondente.

 

Importante destacar, no ponto, que a Lei 11.445/2007, ao dispor sobre os fatores a serem levados em consideração na fixação da remuneração pelo serviço, não faz qualquer menção à cobrança por etapas. Vale citar o art. 30:

 

“Art. 30. Observado o disposto no art. 29 desta Lei, a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento básico poderá levar em consideração os seguintes fatores:

 

I – categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo;

 

 

II – padrões de uso ou de qualidade requeridos;

 

III – quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente;

 

IV – custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas;

 

V – ciclos significativos de aumento da demanda dos serviços, em períodos distintos; e

 

Certamente, caso fosse possível a cobrança pela disponibilização de parte das etapas, o que não se admite face ao acima mencionado princípio da eficiência, o dispositivo legal colocaria tal circunstância como fator a ser observado. Isso porque, nessa hipótese, a cobrança deveria ser feita de forma proporcional à amplitude do serviço prestado.

 

Dessa forma, considerando que o réu não disponibiliza o serviço de tratamento de esgoto na região onde se localiza o imóvel da parte autora, conclui-se que não há efetiva prestação do serviço de esgotamento sanitário, sendo, portanto, ilegais as cobranças efetuadas.

 

Assim vem decidindo este E. Tribunal de Justiça, conforme se vê dos seguintes julgados:

 

0002156-57.2008.8.19.0007 – APELACAO / REEXAME NECESSARIO – DES. MONICA COSTA DI PIERO – Julgamento: 19/05/2011 – OITAVA CAMARA CIVEL – APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. DECLARATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZATÓRIA. SERVIÇO DE ESGOTO SANITÁRIO. BARRA MANSA. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA DE SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO PRESTADO DE FORMA INTEGRAL, EFETIVA E EFICIENTE. AUSÊNCIA DE FATO GERADOR APTO A LEGITIMAR A COBRANÇA. 1. Relação de consumo entre o prestador do serviço e o autor, sendo aplicáveis as normas insertas no Código Consumerista. 2. A inexistência de sistema público de esgotamento sanitário, em funcionamento ou implantado pela ré, sendo o esgoto jogado in natura em terrenos, sem qualquer tratamento, impede a configuração de fato gerador apto a legitimar a cobrança do tributo. 3. A contraprestação pecuniária pelo serviço de esgotamento sanitário somente é devida se este é prestado de forma integral, efetiva e eficiente, sendo certo que, os custos da manutenção e o mero transporte e coleta dos dejetos não se prestam como fato gerador do tributo.

  1. A não disponibilização do serviço de forma integral e adequada ao consumidor fere o art.145, II, da CRFB/88.

 

  1. As taxas têm como fato gerador o exercício do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou colocado a sua disposição. (art. 145, II, da Constituição da República; art. 191, II da CERJ e art. 77 do CTN).6. As Cortes Superiores já manifestaram entendimento no sentido de que a natureza jurídica dos serviços de água e esgoto prestados por concessionária de serviço público é de tarifa ou preço público. Se o serviço de tratamento da água fornecida não é prestado, não se justifica a cobrança de tarifa a ele referente, sob pena de violação do princípio do enriquecimento sem causa. 7. Em reexame necessário, diante da procedência em parte dos pedidos, estabelece-se a sucumbência parcial, na forma do caput do artigo 21 do estatuto processual civil, com a distribuição das custas e a compensação dos honorários advocatícios, respeitada a gratuidade de justiça concedida. Retificação do julgado tão somente quanto a este ponto. 8. Negado seguimento ao recurso. Em sede de reexame necessário, retifica-se o julgamento para reconhecer a sucumbência recíproca.

 

0000837-54.2008.8.19.0007 – APELACAO – DES. SIRLEY ABREU BIONDI – Julgamento: 06/05/2011 – DECIMA TERCEIRA CAMARA CÍVEL – Ação de Repetição de Indébito c/c Obrigação de Não Fazer e Indenização. Dano moral. Serviço de esgotamento sanitário. Alegação de ilegalidade da cobrança de tarifa de esgoto. Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Barra Mansa – SAAE-BM no pólo passivo. Autarquia do Município de Barra Mansa. Sentença de procedência do pedido. Aplicação das regras previstas no CDCON. Prova pericial inconteste, demonstrando que existe rede de esgoto instalada pela SAAE-BM no domicílio do autor, sem o devido tratamento no esgoto coletado. Serviço que não é prestado ao consumidor. Ilegalidade da cobrança.

Observância ao Decreto nº 22.872/96. Reconhecimento da inexigibilidade da cobrança. À hipótese aplicam-se a prescrição prevista no Código Civil, conforme orientação firmada pelo colendo STJ. Precedentes. Assim sendo, NEGO SEGUIMENTO AO RECURSO (SAAE-BM), na forma do artigo 557 do CPC, mantidos os termos da r. Sentença combatida.

 

0007510-92.2010.8.19.0007 – APELACAO  – DES. RENATA COTTA – Julgamento: 13/04/2011 – TERCEIRA CAMARA CÍVEL – APELAÇÃO. COBRANÇA DO SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO. SAAE/BARRA MANSA. TARIFA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO EFETIVA DO SERVIÇO PÚBLICO. ILEGALIDADE DA COBRANÇA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO.

 

 

 

PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. A Lei 11.445/2007 prevê que o esgotamento constitui-se das etapas de coleta, transporte, tratamento e disposição final do esgoto. A ausência de disponibilização das etapas de tratamento e disposição final é fato incontroverso diante do teor da contestação. Se o prestador do serviço público não disponibiliza todas as etapas do esgotamento sanitário, não há efetiva prestação do serviço. Como a tarifa, por sua natureza contratual, depende da efetiva prestação de um serviço público, sua cobrança, no caso em tela, é evidentemente ilegal. Restituição em dobro dos valores pagos a teor do art. 42, do CDC. Inaplicabilidade da Súmula 85 deste Tribunal, porquanto há autorização regulamentar tão-somente para a cobrança do serviço efetivamente prestado e não uma cobrança indistinta. Prescrição qüinqüenal (Decreto 20910/1932). Provimento parcial do recurso.

 

 

II.4 – ANÁLISE DA QUESTÃO SOB O PRISMA DO DIREITO AMBIENTAL: Art.225 DA CRFB – COMPROMISSO COM O CARÁTER INTERGERACIONAL DA PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

 

Sob outro ângulo de visada, não se pode olvidar que a etapa de tratamento é, sem dúvida, a mais importante dentro de uma política de saneamento básico e proteção ao meio ambiente.

 

Com efeito, a questão da ausência de tratamento dos dejetos não é matéria que se compartimenta somente no aspecto tarifário porquanto o deságue de esgotamento sanitário in natura que fere a proteção mínima de meio ambiente ecologicamente equilibrado, ofendendo, pois, o direito fundamental previsto no art.225 da C.R.F.B..

 

Neste sentido, penso que o Judiciário não se deve abster de enfrentar questões de natureza ambiental quedando-se inerte diante de extenso, grave e virtualmente perpétuo derrame de fezes, urina e outros dejetos sem qualquer tratamento adequado em rios, mares córregos ou lençol freático.

 

Trago a lume o Art. 3, III, “e”, da Lei n°6.938/81 que disciplina a Política Nacional do Meio Ambiente, classifica como “poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”.

 

Inescapável, ademais, o compromisso com o caráter intergeracional da preservação do meio ambiente, que promana do próprio e aludido art.225 da CRFB, que dispõe:

 

Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

 

Com efeito, tenho que a presente questão demanda ser apreciada por aquilo que a doutrina em direito ambiental convenciona classificar como Teoria da equidade intergeracional, albergadas na Declaração Universal Dos Direitos Humanos, Convenção Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, entre outros.
Neste sentido, segundo Edith Brown Weiss, considerada uma das autoras da aludida teoria, pode-se afirmar que:

 

Em qualquer momento, cada geração é ao mesmo tempo guardiã ou depositária da terra e sua usufrutuária: beneficiária de seus frutos. Isto nos impõe a obrigação de cuidar do planeta e nos garante certos direitos de explorá-lo. (WEISS, Edith Brown. Justice pour les Générations Futures. Paris: Editions Sang de la Terre, 1993, p. 15)

 

Fundamental, pois, que se tenha a coragem de adotar uma nova ética ambiental pautada no respeito, no cuidado e na conservação do interesse do outro, amalgamados em um único principio, o da responsabilidade, que pressupõe mais do que nunca, a atuação do ser presente em defesa do ser futuro.

 

Fundado em tais premissas é que afirmo ser de curial importância a adoção de instrumentos para não só garantir a preservação, assim também a recomposição das contaminações, considerando o interesse público de redução dos impactos negativos, cujo custo social, em curto prazo, é extremamente elevado.

 

A Egrégia Corte do STJ, em diversas ocasiões, assim vem se posicionando:

 

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSOREAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL.

 

  1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento.
  2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito ambiental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações.

 

  1. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de detritos.

 

  1. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão estadual, in casu, a FATMA, é supletiva. Somente o estudo e o acompanhamento aprofundado da questão, através dos órgãos ambientais públicos e privados, poderá aferir quais os contornos do impacto causado pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as correntes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do mar e do mangue nessa região.

 

  1. Recursos especiais improvidos.

 

(REsp 588.022/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17.02.2004, DJ 05.04.2004 p. 217)

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ART. 476 DO CPC. FACULDADE DO ÓRGÃO JULGADOR.

 

  1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ:RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003.

 

  1. A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, por isso que a Lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime porque a referida norma referendou o próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo. Precedente do STJ: RESP 343.741/PR, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 07.10.2002.

 

  1. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro, ressalta que “(…) A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, § III, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambienta!. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto à segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades. “É a responsabilidade pelo risco da atividade.” Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações (…)” in Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p. 326-327. (…).

 

(REsp 745.363/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20.09.2007, DJ 18.10.2007 p. 270).

 

Por tais razões, o lançamento de dejetos sanitários in natura no meio ambiente afronta os objetivos acima minudenciados e, portanto, também sob este viés, não pode ser tolerado.

 

II.5- INOBSERVÂNCIA DO DIREITO À INFORMAÇÃO: ARTS.6, 31, 39 E 51 DO CODECOM E DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA – ART.422 DO CCB, DEVERES ACESSÓRIOS, TAMBÉM CHAMADOS LATERAIS, SECUNDÁRIOS OU ANEXOS

 

Nesta mesma toada percebe-se que, inobstante a empresa apelada alegue que desconta os valores relativos aos serviços não prestados, o faz de modo de modo obscuro, com difícil percepção, que somente se extrai após imbricada ilação violando, assim, o dever de informação, previsto nos artigos 6, 31, 39 e 51 do Código de Defesa do Consumidor, bem como o princípio da boa-fé, previsto no artigo 422, do Código Civil, que trazem como consectários os deveres acessórios, também chamados de laterais, secundários ou anexos.

 

Confira-se:

 

 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

 

 

 

Art.31°. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

 

Parágrafo único.  As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével.

 

 

 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(…)

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

 

 

 

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

 

Ademais, Nos termos do art. 422 do CC “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

 

Uma das principais funções do princípio da boa-fé na formação e execução das obrigações é a criação dos deveres acessórios de conduta. Os deveres acessórios, também chamados de deveres laterais, secundários ou deveres anexos, nasceram da observação da jurisprudência alemã de que os contratos, por serem fonte imanente de conflitos de interesses, deveriam ser guiados e guiar a atuação dos contraentes conforme o princípio da boa-fé nas relações.

 

A boa-fé objetiva, como diretriz orientadora da conduta das partes, rege as suas negociações não apenas durante a vigência da avença, mas também nas fases anteriores e posteriores à formação do contrato. Cria, inclusive, direitos e deveres para terceiros, que não participaram diretamente do vínculo contratual, mas a cujos efeitos serão submetidos.

 

No caso, como já dito, compulsando a conta constante do doc. 00026, não se pode chegar a nenhuma conclusão que permita ao consumidor dispor acerca do fracionamento do serviço em cotejo, ou mesmo se ele vem a ser desonerado desta ou daquela cobrança em razão da sua não prestação, pelo que tenho como irreprochável que a apelada não observou os deveres de cuidado e proteção que lhe eram exigidos pela lei com os direitos da apelada, impondo-lhe o pagamento de um serviço sem qualquer distinção das respectivas rubricas, como que se viu em posição de manifesta e exagerada desvantagem.

 

Indo adiante, saliente-se, ainda, a assertiva da recorrida de que a cobrança da tarifa é efetuada parcialmente, referente somente ao serviço de captação, transporte e destinação final.

 

  Data venia, trata-se de alegação empírica, tendo em vista que não clareza e precisão suficientes no demonstrativo da conta apresentada ao consumidor que permitam aferir a proporcionalidade entre o serviço prestado e o valor cobrado.

 

Confiram-se as faturas de água e esgoto, que não trazem qualquer aviso do alegado desconto da etapa confessadamente não prestada.

 

Neste sentido, diferentemente do que pretende a concessionária, a Lei nº 11.445./2007 que, em momento algum, autoriza a cobrança de tarifa sem a contraprestação completa do serviço, ou seja, sem o atendimento das quatro fases do ciclo, afinal, somente se fala em esgotamento sanitário se todas estas etapas estão concluídas, sem elas há qualquer outra coisa, exceto esgotamento sanitário.

 

Ora, o CDC, no seu Art.3,§2°, ao definir serviço, o faz expressamente prevendo “…ser qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração…”.

 

 

Não existindo fato gerador para dar ensejo à cobrança, torna-se a mesma indevida, fazendo a autora jus ao não pagamento da tarifa da forma engendrada.

 

Do contrário, dar-se-ia a transmudação do usuário em investidor do sistema. Ademais, ao aceitar-se o repasse dos custos necessários à implantação, extensão e manutenção do serviço ao seu destinatário final traduzir-se-ia certo e descabido acumpliciamento com a desídia da Edilidade em implantar todas as fases do ciclo, tal e qual a lei lhe obriga.

 

Penso, pois, que a “devolução” relativa à parcela do serviço não prestado se impõe.

 

III – DEVOLUÇÃO DE FORMA SIMPLES DOS VALORES INDEVIDAMENTE COBRADOS.

 

No entanto, apesar do até aqui narrado, é de se reconhecer que o tema reflui tormentoso.

 

Neste contexto, malgrado ilícita a conduta empreendida pela ré, tenho que a hipótese muito se aproxima daquela prevista na exceção do parágrafo único, in fine, do artigo 42, do CDC, onde é excluída a devolução em dobro dos valores indevidamente cobrados quando se nos depararmos com um “…engano justificável…”, o que me parece bem retratar o caso.

 

Com efeito, embora convicto quanto a posição ora explicitada, não posso ignorar que a discussão enseja interpretações diversas, inclusive sob aspectos contratuais da concessão e consoante Enunciado do TJRJ.

 

Por este motivo, concluo que não há se falar em devolução em dobro, mas apenas na forma simples, sendo esta também a orientação da súmula nº 85 desta Corte, verbis:

 

N.º 85 “Incabível a devolução em dobro pelo fornecedor e pela concessionária, se a cobrança por eles realizada estiver prevista em regulamento, havendo repetição simples do indébito.”

 

 

Neste sentido, reverbere-se entendimento da Corte:

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0040500-85.2012.8.19.0066 DES. CLAUDIO DE MELLO TAVARES – Julgamento: 15/04/2013 – DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO.

 

 

COBRANÇA PELA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO SANITÁRIO SEM A DEVIDA CONTRAPRESTAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA DE TARIFA OU PREÇO PÚBLICO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RECENTEMENTE MANIFESTADO EM RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES ANTE A EXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO PROVIDO, NOS TERMOS DO ARTIGO 557, § 1º-A, DO CPC”.

 

APELAÇÃO CÍVEL nº 0025219-60.2012.8.19.0205 DES. LUCIA MIGUEL S. LIMA – Julgamento: 04/04/2013 – DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL

 

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SERVIÇO DE ESGOTO. NÃO PRESTAÇÃO. COBRANÇA QUE SE MOSTRA INDEVIDA, POSTO QUE COMPROVADA A INEXISTÊNCIA DE SERVIÇO DE TRATAMENTO DE ESGOTO SANITÁRIO. CONDENAÇÃO DA APELANTE A RESTITUIR OS VALORES INDEVIDAMENTE. INOCORRÊNCIA DE MÁ-FÉ. DEVOLUÇÃO DE FORMA SIMPLES CONSOANTE INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 85 DO TJRJ. APLICAÇÃO DAS NORMAS PROTETIVAS DO C.D.C. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADES COM A NORMA ESPECIAL. PRESCRIÇÃO DECENAL, CONSOANTE DECIDIDO PELO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO, NO ACÓRDÃO PROFERIDO NO RECURSO ESPECIAL Nº 1.117.903-RS, DJE 01/02/2010, QUE PACIFICOU O ENTENDIMENTO PARA A COBRANÇA DE DÉBITOS REFERENTES A SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO. APELO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO NOS TERMOS DO ARTIGO 557, §1º-A DO CPC”.

 

 

IV- DA OCORRÊNCIA DE DANO MORAL INDENIZÁVEL

 

Por derradeiro, verifica-se que a cobrança indevida afeta a paz interior e a tranquilidade da vida familiar, gerando preocupações e angústias, sem razões legítimas, causando dano de ordem moral, não constituindo mero dissabor, eis que extrapola a normalidade de quem foi obrigado a procurar os intrincados meandros jurídicos para valer o seu direito.

 

Vale ainda dizer que a falha do serviço ocorrida nas relações de consumo, como no caso em apreço, faz surgir para o fornecedor do serviço o dever de indenizar, já que o dano proveniente de tal conduta é considerado in re ipsa, conforme a jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça no seguinte julgado:

 

DES. INES DA TRINDADE – Julgamento: 11/03/2013 – VIGESIMA CAMARA CIVEL – APELAÇÕES CÍVEIS PROCESSO Nº 0013387-27.2012.8.19.0206

“APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZATÓRIA. ESGOTO SANITÁRIO. QUESTIONAMENTO SOBRE A LEGALIDADE DE COBRANÇA DE TARIFA PELO SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO AUTORAL PARA: RATIFICAR OS EFEITOS DA TUTELA E DETERMINAR QUE A CEDAE SE ABSTENHA DE INLCUIR NA CONTA DA AUTORA A TAXA DE ESGOTO; CONDENAR A RÉ A DEVOLVER AO AUTOR OS VALORES PAGOS A TÍTULO DE ESGOTO DAS CONTAS DE FLS. 31/36 E 53/58; PARA CONDENAR A RÉ AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL NO VALOR DE R$ 2.000,00 E JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO PARA DECLARAR A ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE ESGOTO. PRESCRIÇÃO TRIENAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O SERVIÇO DE ESGOTO É PRESTADO NO IMÓVEL DO AUTOR. RÉ QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DO ARTIGO 333, II,DO CPC, NÃO TENDO PRODUZIDO PROVA PERICIAL COM O FITO DE COMPROVAR QUE PRESTA UMA DAS FASES DO TRATAMENTO DE ESGOTO, A JUSTICAR A COBRANÇA PELOS SEUS SERVIÇOS. PRECENTES DO TJ/RJ E STJ. DEVOLUÇÃO EM DOBRO, NOS TERMOS DO ARTIGO 42, DO CDC. NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS, COM BASE NO ARTIGO 557, CAPUT, DO CPC”.

 

Configurado o dano moral, passa-se a análise do valor a ser fixado a título de compensação.

 

Assim, levando-se em conta o caráter pedagógico-punitivo, é de se arbitrar o valor da compensação de forma prudente, isto é, afastando o enriquecimento sem causa, mas, sem olvidar da fixação de valor que cumpra a finalidade de ordem psíquica, a transparecer que o aborrecimento e agruras do fato foram devidamente compensados.

 

V- NOTÍCIA DE JULGAMENTO DO RESp n°1339313

 

Fato é que se impõe ao julgador manter-se conectado com as novas e constantes manifestações das Cortes Superiores, mormente quando lançadas sobre temas de significativa repercussão, como é o presente.

 

Outrossim, não nos escapa o fato de que, apreciando o RESp n°1339313, a Egrégia Corte do STJ, sob o rito firmado para os “recurso repetitivos”, entendeu que “é legal cobrança de tarifa de esgoto ainda que não haja tratamento sanitário”, sendo tal notícia datada de 18/06/2013 e veiculada no sítio eletrônico daquele Tribunal,  com o seguinte conteúdo, verbis:

 

“Mesmo que não haja tratamento sanitário do esgoto antes de seu despejo, é legal a cobrança da tarifa de esgoto. A decisão é da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recurso especial representativo de controvérsia de autoria da Companhia de Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), do Rio de Janeiro.

A tese, firmada sob o rito dos recursos repetitivos (artigo 543-C do Código de Processo Civil), deve ser aplicada a todos os processos idênticos que tiveram a tramitação suspensa até esse julgamento. Só caberá recurso ao STJ quando a decisão for contrária ao entendimento firmado pela Corte Superior.

Com base no artigo 3º da Lei 11.445/07 e no artigo 9º do decreto regulamentador (Decreto 7.217/10), a maioria dos ministros entendeu que a tarifa de esgoto pode ser cobrada quando a concessionária realiza coleta, transporte e escoamento dos dejetos, ainda que não promova o respectivo tratamento sanitário antes do deságue. Para eles, essa é uma etapa posterior e complementar, travada entre a concessionária e o poder público.

O relator do recurso, ministro Benedito Gonçalves, ressaltou que a legislação dá suporte à cobrança, principalmente porque não estabelece que o serviço público de esgotamento sanitário somente existirá quando todas as etapas forem efetivadas.

 

 

Além disso, não proíbe a cobrança da tarifa pela prestação de apenas uma ou algumas dessas atividades. Essa é a jurisprudência do STJ.

Repetição de indébito

A decisão da Seção reforma acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que declarou a ilegalidade da tarifa ante a ausência de tratamento do esgoto coletado na residência do autor da ação. Ele queria a devolução das tarifas pagas, a chamada repetição de indébito.

A decisão da Primeira Seção deixa claro que a cobrança da tarifa não pressupõe a prestação integral do serviço de esgotamento sanitário, mas apenas parte dele. No caso analisado, o serviço resume-se à realização da coleta, do transporte e do escoamento dos dejetos.

“Assim, há que se considerar prestado o serviço público de esgotamento sanitário pela simples realização de uma ou mais das atividades arroladas no artigo 9º do referido decreto, de modo que, ainda que detectada a deficiência na prestação do serviço pela ausência de tratamento dos resíduos, não há como negar tenha sido disponibilizada a rede pública de esgotamento sanitário”, afirmou o ministro Benedito Gonçalves.

Para o relator, entender de forma diferente seria, na prática, inviabilizar a prestação do serviço pela concessionária, prejudicando toda a população que se beneficia com a coleta e escoamento dos dejetos”.

 

Malgrado, penso ser ainda açodado repensar minhas conclusões acerca do thema, quanto mais quando ainda não se tem aprofundado conhecimento acerca todas as teses agitadas em tal julgado, não se podendo precisar se, por exemplo, aquela Corte abordou a quaestio sob o aspecto do compromisso intergeracional de preservação do meio ambiental, prisma que me parece dos mais caros na presente causa, razão pela qual, ao menos por ora, mantenho meu entendimento no sentido do acolhimento da pretensão autoral.

 

Ex positis, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, para julgar parcialmente procedente o pedido autoral, declarando a inexistência da dívida em comento e condenar a apelada:

 

  1. a) ao pagamento de dano moral, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), corrigidos monetariamente a partir deste julgado, conforme verbete sumular nº 97, deste T.J.R.J., e, também,

 

  1. b) a restituir, de forma simples, os valores indevidamente cobrados, consignando-se que o prazo prescricional a ser aplicado é o decenal, conforme posição firmada pelo E. STJ, no julgamento do REsp 113.403/RJ, da relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 15/9/2009, submetido ao regime dos recursos repetitivos do artigo 543-C do CPC e da Resolução/STJ n. 8/2008. Condena-se, ainda, o apelado ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação.

 

Oficie-se ao Douto Órgão do Ministério Público responsável pela tutela dos direitos difusos e coletivo.

 

 

Rio de Janeiro,     de                de 2014.

 

 

 

Desembargador MARCELO BUHATEM

Relator

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