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Com potencial inexplorado, ‘mercado do lixo’ deixa legado de danos ambientais e sociais

Resíduos sólidos poderiam movimentar até R$ 10 milhões por ano só com a reciclagem. Mas, em vez disso, 98,8% das 2.621,429 toneladas coletadas diariamente pela prefeitura ainda são descartadas sem passar por essa etapa.

Todos os dias, cada habitante de Manaus produz, em média, 1,272 kg de todo tipo de lixo e boa parte dele nem deveria ser chamada assim. O que a gente joga fora e nenhum dos garis e catadores retira das ruas ou dos Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) poderia movimentar aproximadamente R$ 10 milhões por ano só com a reciclagem.

Mas, em vez de gerar riqueza, 98,8% das 2.621,429 toneladas de resíduos sólidos coletadas diariamente pela prefeitura ainda são descartadas sem passar por essa etapa, acelerando o fim da vida útil do aterro da capital – que tem, hoje, não mais que cinco anos – e trazendo à tona uma pergunta: onde nosso lixo vai parar?

“Muita gente pensa que o problema termina quando ela coloca a sacolinha pra fora do portão, mas não: É ali que ele começa”, lembra Vanderlei Soares Coelho, 50, que dedicou os últimos 21 anos da vida dele a garimpar materiais recicláveis em meio a montanhas de resíduos no lixão do Município de Novo Airão (a 180 quilômetros de Manaus), às margens da rodovia AM-070, um dos muitos a céu aberto espalhados pelos 61 municípios do interior do Amazonas, que amargam situação ainda mais preocupante que a capital.

E o Vanderlei está certo, segundo o estudo Perspectivas 2014, elaborado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) e publicado em agosto: nossa geração de lixo está crescendo em um ritmo bem maior que a população e a maior parte dela não está sendo reaproveitada como poderia – e deveria. O levantamento revelou que, enquanto o crescimento populacional do Brasil nos últimos cinco anos (2010-2014) foi de 6%, nossa geração de lixo aumentou 29% e a evolução do que teve o destino correto aumentou apenas 0,8% no último ano.

No Amazonas, dados da Abrelpe e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2014, cada habitante do Estado produzia 0,936 quilos de resíduos por dia. Em Manaus, essa quantidade, nos oito primeiros meses de 2015, foi 35% maior: 1,272 quilos diários, de acordo com a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana e Serviços Públicos (Semulsp). Ainda segundo a secretaria, a média mensal de resíduos sólidos coletados em Manaus cresceu 20,6% se comparada com 2005, acumulando, ao longo dos últimos dez anos, mais de 10 milhões de toneladas de lixo – e quase tudo foi parar no mesmo lugar: o aterro.

Alerta

Quantidade suficiente para sobrecarregar uma estrutura que, em funcionamento desde 1986, a cada dia se aproxima mais do limite de operação, de acordo com um estudo realizado pela empresa Fral em 2014, para subsidiar um Termo de Ajustamento de Conduta Administrativo (Taca) que apontou, no início do ano passado, vida útil de cinco anos e sete meses para o aterro sanitário de Manaus. Alterações feitas na estrutura dele no ano passado, no entanto, ampliaram essa capacidade para suportar os próximos cinco anos, informou o titular da Semulsp, Paulo Farias.

“A situação é alarmante. Manaus é o único município do Amazonas que possui aterro sanitário, e ele está chegando perto do limite. No interior, na maior parte das cidades não se tem ideia do que fazer”, alertou o titular da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), Antônio Stroski.

De acordo com Paulo Farias, a proposta da prefeitura é terceirizar o serviço dentro dos próximos cinco anos. “As grandes cidades não constroem mais aterros próprios, elas contratam. A prefeitura vai licitar serviços de disposição final de resíduos. Isso, com certeza, antes do final da vida útil do nosso aterro”, explicou o secretário.

Coleta seletiva a passos lentos

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece o ano de 2018 como “data limite” para as prefeituras de capitais e Regiões Metropolitanas do País se adequarem à nova legislação. O prazo inicial, agosto de 2014, terminou sem que a maioria das cidades brasileiras – entre elas todas as amazonenses – conseguisse se adequar à PNRS, que faz uma série de exigências, entre elas implantar aterros sanitários e instituir a coleta seletiva.

Realidade bem distante da encontrada no Amazonas, onde a capital, a única cidade do Estado a ter aterro sanitário, ainda esbarra na implantação da logística reversa – responsabilidade compartilhada dos geradores de resíduos pela coleta e reaproveitamento – para elevar a coleta seletiva, explica o engenheiro ambiental da Semulsp, Alcemir Oliveira.

De acordo com o engenheiro, apenas 14,9% da população de Manaus é atendida pelo sistema de coleta seletiva, que conta com apenas quatro veículos coletores para atender uma cidade com mais de 2 milhões de habitantes. A taxa de reciclagem em Manaus – 1,2% – ainda é pequena, mas representa sete vezes mais do que a de 2013, quando a prefeitura submeteu à coleta seletiva pífios 0,17% das mais de 947 mil toneladas de resíduos coletadas nos domicílios.

O secretário da Semulsp, Paulo Farias, esclareceu que a logística reversa deve ser regulamentada por acordos setoriais que estão sendo discutidos em Brasília. Além disso, a expansão da reciclagem depende da demanda da indústria. “A reciclagem não é só coleta seletiva, ela depende da indústria de transformação, que é outro gargalo. É preciso que haja a devida capacidade de processamento para que esse potencial da reciclagem seja concretizado”, lembrou.

No interior, o problema é ainda maior. De acordo com dados da Abrelpe e do IBGE, quase metade (46,9%) dos municípios do Amazonas não tinham iniciativa de coleta seletiva, em 2014. Na maioria, esse trabalho ainda é feito por catadores de material reciclável sob condições precárias: horas seguidas de trabalho disputando espaço com ratos e urubus em meio a montanhas de lixo e, o pior: obrigados a vender os produtos a preços irrisórios.

Essa é a rotina das irmãs Raimunda, 48, e Francisca Paiva, 36, que há quatro anos vivem da venda do material que retiram do lixo. Para elas, o lixão de Novo Airão foi o destino depois de meses à procura de emprego. “A única opção era esta. Tenho sete filhos e eles já trabalharam aqui para ajudar em casa, mas graças a Deus, conseguiram sair. Isso aqui não é vida: sol, cansaço, lixo, urubus, ratos, doenças… e ainda somos explorados por gente que quer pagar R$ 0,08 o quilo do papelão”, denunciou Francisca.

Licitação prevista para até cinco anos

O aterro sanitário de Manaus atende à Política Nacional de Resíduos Sólidos, mas tem vida útil de não mais que cinco anos, segundo a Semulsp. Para dar ‘vazão’ ao aumento na geração de resíduos, a prefeitura pretende licitar os serviços de disposição final de resíduos nos próximos cinco anos, ou seja, terceirizar a atividade.

Em números

520 toneladas de resíduos sólidos geradas ao longo de 2014 no Amazonas não foram coletadas pelas prefeituras, de acordo com a Abrelpe.

2,5 toneladas de resíduos recicláveis são coletadas e entregues pela prefeitura a cada um dos cinco núcleos de catadores, movimentando até R$ 1,9 mil por mês.

Fonte: A Critica

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