saneamento basico

EUA transforma água de esgoto em água potável, porém aceitação é difícil

A água jorrava de uma torneira, perfeitamente clara, num copo de plástico. Apenas 45 minutos antes, ela estava nas instalações de tratamento de esgoto do Condado de Orange, logo ao lado. Numa fábrica especializada, ela passou por vários estágios de purificação que a deixaram mais clara do que qualquer coisa que saia das torneiras de casa ou que venha de uma garrafa de marca.

“Sobrou apenas o H, o 2 e o O”, disse Mike Markus, gerente geral do distrito de água do condado. Ele não estava exagerando. Sem os minerais que dão um sabor distinto à água da maioria das cidades, esta água não tem sabor nenhum.

Enquanto a Califórnia corre para encontrar maneiras de lidar com sua seca e com as restrições obrigatórias à água impostas no mês passado pelo governador Jerry Brown, uma série de ideias que por muito tempo foram consideradas polêmicas, caras ou desagradáveis demais está sendo revista. Uma delas é conservar mais água; outra é transformar fontes próximas e abundantes de água, como o Oceano Pacífico, em água potável por meio da dessalinização.

Uma terceira é reciclar a água que os californianos já usaram. E aí há um desafio de marketing que pode ser ainda maior do que o desafio tecnológico.

Com a planta especial de purificação, que opera desde 2008, o Condado de Orange já converteu pessoas à ideia de beber água reciclada. O condado não canaliza sua água purificada diretamente para as estações de tratamento de água; ao invés disso, bombeia a água para o subsolo, para os aquíferos da região e para ser diluída pelo abastecimento natural de água. O “colchão” ambiental parece tranquilizar emocionalmente os consumidores.

A fábrica, de US$ 481 milhões, foi aberta durante uma seca anterior. “Ela nos fez parecer gênios”, disse Markus. O momento novamente é apropriado. Em meio à seca atual, o condado completou uma expansão de US$ 142 milhões que vai aumentar em 40% a capacidade, para 378,5 mihões de litros por dia, a uma fração do custo de dessalinizar água do mar. (Está em planos uma expansão para 492 milhões de litros por dia.)

Agora, o reúso de água está sendo testado em outras partes dos Estados Unidos, incluindo cidades desérticas do Texas que enviam a água tratada diretamente para seus suprimentos de água. Na Califórnia, “há agências pensando nisso em todo o Estado”, disse Jennifer West, gerente geral da associação WateReuse California.

Em novembro, a câmara municipal de San Diego aprovou um programa de US$ 2,9 bilhões, chamado Pure Water, para prover um terço das necessidades diárias da cidade até 2035. O Distrito de Água do Vale de Santa Clara espera atingir ao menos 10% das suas demandas de água até 2022 com projeto semelhante.

E Los Angeles está pronta para tentar de novo, com planos de atender um quarto das necessidades da cidade até 2024 com água reciclada e capturada da chuva, direcionada por meio dos aquíferos. “A diferença entre agora e 2000 é que todo mundo quer que aconteça”, disse Marty Adams, que dirige o sistema de águas do Departamento de Água e Energia de Los Angeles.

O inevitável desconforto com a ideia de beber água que já foi esgoto ignora um fato fundamental, disse George Tchobanoglous, especialista em reúso de água e professor emérito da Universidade da Califórnia, Davis: “no fim das contas, água é água”, ele disse. “Todo mundo que vive longe ao longo de um rio está bebendo água reciclada”.

Os processos no Condado de Orange e na maioria das outras estações que limpam a água incluem microfiltração que exclui qualquer coisa maior do que 0,2 mícrons, removendo quase todos os sólidos suspensos, bactérias e protozoários.

Depois disso vem a osmose reversa, que envolve forçar a água através de uma membrana, que remove outras impurezas, incluindo vírus, produtos farmacêuticos e minerais dissolvidos. Uma passada de uma poderosa luz ultravioleta e um pouco de peróxido de hidrogênio desinfetam ainda mais e neutralizam outros pequenos compostos químicos.

Mas, depois de tudo isso, 13% dos adultos dos Estados Unidos dizem se recusar terminantemente até a provar água reciclada, segundo um estudo recentemente publicado na revista acadêmica “Judgment and Decision Making”. “Uma pequena minoria de pessoas fica muito ofendida com isso, e pode desacelerar ou impedir a prática usando forças políticas e legais”, disse Paul Rosin, professor da Universidade de Pennsylvania que estuda revulsão e coautor do estudo.

Os opositores do reúso da água há muito estão em vantagem, segundo Paul Slovic, professor de psicologia da Universidade de Oregon, devido ao “problema do rótulo”.

As pessoas tendem a julgar emocionalmente o risco, diz ele, e uma expressão como “da privada à torneira” pode se sobrepor a explicações mais precisas. “A indústria da água não tem sido boa em vender o reúso”, ele afirma. Mas as pesquisas já mostraram que enfatizar os benefícios da água reciclada – e sua necessidade – podem direcionar as emoções para uma resposta mais positiva e ajudar a reduzir o senso de risco.

“Sob uma crise, as pessoas aceitam coisas que não aceitariam de outra forma”, notou Rozin.

Quando a câmara de San Diego aprovou em novembro o prosseguimento dos planos de purificação, teve o apoio de empresas e de vários grupos ambientais. “Não somos ingênuos de acreditar que não há consumidores preocupados”, disse Brent Eidson, porta-voz do Departamento de Utilidades Públicas de San Diego. “Mas, até agora, ainda não vimos nenhuma oposição organizada”.

Wichita Falls, no Texas, tem colocado água purificada no sistema de abastecimento sem qualquer incidente desde julho de 2014.

Russell Schreiber, diretor de obras públicas disse que algumas pessoas lhe disseram que não beberiam essa água. Sua resposta? “Ótimo! Assim poupamos água!”. A cidade produz 34 milhões de litros de água por dia, e ele diz que as pessoas agora o param para dizer: “essa água é mais gostosa”.

Há um lugar que faz o mais extremo uso da água reciclada: a Estação Espacial Internacional. A bordo dela, um equipamento captura o líquido dos banheiros a bordo e até a umidade da respiração e do suor.

O coronel Douglas H. Wheelock, que comandou a estação em 2010, disse: “eu bebi essa água por seis meses, e na verdade era bem gostosa”. Isso não impediu seus colegas de brincar com a situação, porém.

“Tínhamos uma piada recorrente”, ele diz. “O café de ontem é o café de amanhã”.

 

 

Fonte: Jornal Folha de SP

Últimas Notícias:
Projetos IoT Áreas Remotas

Desafios de Conectividade em Projetos de IoT em Áreas Remotas

No mundo da Internet das Coisas (IoT), a conectividade é a espinha dorsal que permite a comunicação entre dispositivos e a coleta de dados em tempo real. Entretanto, em áreas remotas, onde a infraestrutura de rede de dados é escassa ou inexistente, estabelecer uma conexão confiável pode ser um desafio significativo.

Leia mais »